Não sei quem é o responsável camarário pela secção de obras ou o coordenador e programador das intervenções. Mas sei uma coisa: é português. Atente-se no caso em apreço: a Arena de Évora. Primeiro, inaugurou-se, com a pompa e circunstância próprias das obras de regime. Depois, promoveram-se os espaços comerciais e esperou-se que os mesmos fossem ocupados. Agora, ao fim de largos meses, alguém se deve ter lembrado: e os arruamentos? E os arranjos exteriores paisagísticos? E os passeios? Resultado: só agora se avançou com o resto da intervenção, provocando toda uma série de constrangimentos e incómodos aos negócios e respectivos clientes. Mas em Portugal, é assim. Porque seria Évora diferente, não é?
(sugestão e imagens enviadas pelo leitor Carlos do Carmo Carapinha)
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Parentes pobres
Há bairros em Évora que são como aqueles parentes pobres que certas famílias fazem por esquecer. Existem, são pobres, desajeitados, horríveis, mas desde que estejam longe da vista estará sempre tudo bem. Querem um exemplo? Bairro S. José da Ponte. As imagens foram recolhidas por uma leitora. Trata-se da entrada, e simultaneamente saída, da Rua 2 de Abril - Antiga Horta das Courinhas. Mesmo ali ao lado do novo, moderno e vistoso armazém do AKI. Évora de contrastes, portanto.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Mar De Autos Aqueduto
No lado oposto da muralha onde se encontra o recém-inaugurado hotel Mar De Ar Aqueduto - ou seja, do lado de fora - o incauto forasteiro ou o habitual eborense dão de caras (aquele pontualmente e este diariamente) com um típico caso de incúria e um exemplo paradigmático do «deixa andar» a que esta cidade está votada. Na base do Aqueduto e num raio de 200 metros, a desolação é total: carros e mais carros, casas degradadas, barracões meio abandonados à sua solitária sorte, roulotes de bifanas e cachorros, caravanas de campismo, etc. etc. Outrora um local supostamente destinado às «docas secas» (fosse lá o que isso fosse), o seu estado não só não dignifica o magnífico aqueduto e a muralha adjacente como dá uma imagem de cidade terceiro-mundista (sem desprimor para o Terceiro Mundo) que aflige os que ainda não foram picados pela mosquinha da Letargia (lethargia musca) - e que já são poucos. É uma pena, dirão os que por lá passam e observam com olhos de ver o cenário degradante ali montado. Só nos resta, por isso, fingir que nada disto ali se passa:
É caso para dizer: Sr. Ernesto, Sr. Dieb, Sr. Reforço, D.ª Pedreira, D.ª Araújo, Sr. Melgão, D.ª Grácio: o que estão por aí fazendo?
É caso para dizer: Sr. Ernesto, Sr. Dieb, Sr. Reforço, D.ª Pedreira, D.ª Araújo, Sr. Melgão, D.ª Grácio: o que estão por aí fazendo?
Correio dos leitores
De Helder Heitor:
Nesta cidade de excelência, há excelências originais. Por exemplo:
As calçadas: que tornam excelentemente ginasticadas as plantas dos pés dos excelentes transeuntes e contribuem para as excelentes performances do sector económico da reparação de calçado (sobretudo do de salto alto), pujante na cidade.
Os postes e placas de sinalização espalhadas a esmo e em plenos passeios, impondo aos cidadãos excelentes trejeitos contorcionistas, assim criando os hábitos saudáveis de prática de desporto, o que é muito louvável sobretudo no que respeita aos cidadãos com limitações físicas e aos que conduzem, o mais das vezes perigosamente, carrinhos de bebés, por exemplo.
A excelente disseminação dos mesmos sinais, em excelente ruptura desconstrutiva, como agora muito culta e intelectualizadamente fica bem dizer, com as anquilosadas regras do alinhamento, da simetria e do ordenamento.
A excelência do modo como essa mesma sinalização se ergue ao céu, simulando a poética e excelente ondulação das searas das zonas rurais que envolvem a urbe.
A excelência das decorações das fachadas dos edifícios das nossas bem conservadas ruas, com a felicíssima e excelente ideia de aproveitar a rede eléctrica e a rede telefónica para um rendilhado verdadeiramente único, que ofusca, até, as girândolas e enfeites natalícios.
A excelência do emolduramento das nossas praças e monumentos, com o feliz aproveitamento das diversificadas virtualidades estéticas dos veículos automóveis, emolduramento esse em magnífico crescendo, assim esbatendo a crueza do rude granito a que os construtores de muitos desses monumentos e praças tiveram a ousadia e infeliz desplante de recorrer. Veja-se, como primeiro exemplo, a moldura da Igreja e Convento da Graça.
Junto, para os incréus, algumas provas das excelências.
Catita a nossa cidade, não?
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Os despojos do dia
Sobre a feira, ou o mercado, mensal do Rossio de S. Brás, vale a pena colocar aqui, na íntegra, um comentário ao anterior post, da autoria de José:
Sobre este assunto, gostava de saber duas ou três coisas.
A primeira é a seguinte: o que é que a ACDE anda a fazer para pôr cobro a esta concorrência desleal em relação ao comércio tradicional do Centro Histórico?
A segunda é esta: a receita que a CME arrecada deste «mercado» compensa o facto da CME ser conivente com o contrabando de artigos falsificados, com a comercialização de produtos sem factura e com comerciantes ambulantes que fogem descaradamente ao Fisco, ao contrário dos comerciantes do Centro Histórico que têm que pagar impostos, taxas, emolumentos, contribuição autárquica e manter toda uma série de papelada burocrática em ordem (o horário de funcionamento, a licença de utilização, o quadro de pessoal, etc. etc.) sob pena de serem multados e incomodados?
A terceira e última: não acham que a desculpa de que há gente com muitos baixos rendimentos que não tem outra opção para se vestir senão o recurso a este tipo de «mercados» é completamente hipócrita e cretina, visto que há sítios em toda a cidade de Évora com roupa tão ou mais barata que a que se pode encontrar no «mercado»?
Haja vergonha e, acima de tudo, justiça!!
Terça-feira gorda, está visto
Hoje é aquele dia em que o comércio intra-muros sai beneficiado, segundo a teoria (e, vindo de quem vem, a constatação in loco) do Sr. Arq. Fernando Pinto (e brilhantemente explicada em artigo no Diário do Sul de há uns meses atrás). É dia de «mercado» no Rossio de S. Brás.
Ficará só a faltar, para derradeiro e cabal benefício do comércio tradicional intra-muros, o bom do Centro Comercial, ali às Portas de Aviz.
Ficará só a faltar, para derradeiro e cabal benefício do comércio tradicional intra-muros, o bom do Centro Comercial, ali às Portas de Aviz.
domingo, 9 de novembro de 2008
O passeio a quem pertence
Em Évora, a quantidade de carros que se observam literalmente em cima (2 ou 4 rodas) dos passeios (estão a ver o que são passeios, não estão? É aquela parte lateral à via destinada ao trânsito de peões) é quase obscena. Sabemos que é desporto nacional (basta ir a Lisboa e Porto, mecas dessa actividade), mas não seria interessante, útil, conveniente, sinal de civismo e de educação, pararmos com isso? E já agora, mal que pergunte, onde está a polícia para dissuadir e/ou castigar estes comportamentos? Parece ter-se convencionado que os fiscais do SITEE tratam do estacionamento faltoso no Centro Histórico mas, como toda a gente já reparou, o interesse deles não vai para além dos lugares de estacionamento pagos ou dos destinados a residentes. Os fiscais do SITEE não têm poderes ou interesse em multar as situações verdadeiramente abusivas, pelo que faltam agentes da PSP no terreno para atacar este flagelo. Ou, em alternativa, que se espalhem mais e mais «mecos« (aqueles pequenos pilares que impedem, com o efeito barreira, o acesso ao passeio).
sábado, 8 de novembro de 2008
Trânsito
Para os mais distraídos que por aqui passam, chamo a atenção para o facto de já estar a decorrer um novo inquérito sobre o problema do trânsito em Évora. Aqui ao lado, na barra lateral direita. Participem.
Caixa Negra
Ano após ano, mandato após mandato, ali jaz, degradado, abandonado, na Rua de Valdevinos, o Salão Central Eborense. De tempos a tempos, ou seja, quando se aproximam eleições autárquicas, o Salão Central Eborense volta novamente à colação travestido de «promessa». Os candidatos a presidente de câmara, sobretudo os que transitam de anteriores mandatos, adoram pronunciar aquelas palavras, inseridas no rol de promessas eleitorais: S-a-l-ã-o C-e-n-t-r-a-l E-b-o-r-e-n-s-e. Nesta fase do campeonato, duvido que alguém ligue a essa espécie de inevitabilidade anedótica eleitoralista, a que se assiste com o também inevitável encolher de ombros. A verdade é só esta: ninguém sabe o que vai acontecer ao Salão Central Eborense. A última novidade surgiu, o ano passado, da boca do Sr. Presidente da CME: o Salão Central Eborense, atenção!, vai ser convertido em… Blackbox. Eu já estranhava a demora na utilização de um qualquer estrangeirismo de encher o olho. Blackbox: soa bem, não soa?
Com ou sem Blackbox (que eu não sei o que é mas deve ser uma coisa fantástica) os eborenses podem estar cientes de que continuarão a assistir a mais do mesmo. A CME (a do anterior executivo, do Dr. Abílio Fernandes, e a actual), de forma que considero vergonhosa e incompreensível, deu-se ao luxo de não querer ter trabalho na revitalização de uma instalação cultural que permitiria o desenvolvimento de importantes actividades ligadas à área do cinema e do teatro. Em qualquer Centro Histórico de qualquer cidade europeia classificada, seria impensável assistir ao definhar, ano após ano, de um antigo espaço que albergou durante mais de 40 anos o cinema de uma cidade e que foi construído de raiz com esse propósito. O resultado dessa incúria manifesta-se nas mais diversas situações. O Cineclube da Universidade de Évora e o Núcleo de Cinema da SOIR Joaquim António de Aguiar desenvolvem uma meritória e importante divulgação de cinema de autor num espaço miserável para essa função (sem desprimor para o Auditório Soror Mariana). Os cinemas Alfa Lusomundo, instalados no Centro Comercial Eborim, vão encerrar e Évora - uma cidade com mais de 40.000 habitantes, património mundial, visitada por milhares de pessoas anualmente, com uma universidade com mais de 6.000 alunos - vai ficar sem cinemas sabe-se lá por quanto tempo. A quantidade de actividades e eventos que poderiam ser desenvolvidos no Salão Central Eborense (caso ele não tivesse sido entregue à incúria de executivos camarários que vivem da letargia e da apatia) é imensa. O contributo para a cena cultural eborense seria preponderante. E, last but not least, seria mais um instrumento de fixação dos jovens e menos jovens à cidade e, em particular, ao Centro Histórico, numa época em que se assiste, cada vez mais, à debandada dos mais novos rumo a outros pólos de interesse cultural. Mas não. Agora é a vez da Blackbox. Paz à sua alma.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Conclusões do inquérito “Que destino dar ao Rossio de S. Brás?”
Terminado período de votação, a sondagem referente ao Rossio de S. Brás registou 64 votos com a seguinte distribuição:
Primeira conclusão: 96% dos que votaram querem que o Rossio de S. Brás mude, ou seja, não querem que o seu estado actual se perpetue no tempo. Intenção mais clara não poderia haver – e, acrescento eu, só quem anda distraído ou tem algum tipo de interesse (certamente sinistro) no seu actual estado ou, ainda (arrisco esta...), quem não gosta verdadeiramente da cidade, pode pensar de maneira diferente.
Segunda conclusão: 80% (contando com os 4% dos que o querem continuar a ver como está e retirando da equação os que optaram pela resposta “nenhuma das anteriores”) são avessos a soluções que permitam a invasão do espaço por betão (como seria o caso da solução ‘Siza Vieira’ ou da construção de uma área residencial em forma de “u”).
Terceira conclusão: 76% dos que votaram pretendem que, naquele espaço, haja um jardim, i.e., um espaço verde que estabeleça alguma continuidade com o Jardim Público. É bom que, no executivo camarário, alguém perceba que, ao contrário do que eles pensam e do que nos tem sido dado a entender ao longos destas décadas, o eborense não tem medo de árvores.
Resta-me, por fim, agradecer a vossa participação e avisar que já se encontra a votação uma nova sondagem, desta vez sobre o trânsito em Évora.
- Deixar como está: 4%
- Torná-lo um prolongamento do Jardim Público, com esplanadas, quiosques, WC público e sem carros: 31%
- Edificar em forma de moldura uma área residencial, com jardim e parque subterrâneo públicos: 1%
- Edificações de baixa volumetria para acolher a Biblioteca Pública, o Posto de Turismo e outros serviços de interesse público, com jardim envolvente: 45%
- Solução igual ou do tipo ‘Siza Vieira’: 10%
- Nenhuma das anteriores: 7%
Primeira conclusão: 96% dos que votaram querem que o Rossio de S. Brás mude, ou seja, não querem que o seu estado actual se perpetue no tempo. Intenção mais clara não poderia haver – e, acrescento eu, só quem anda distraído ou tem algum tipo de interesse (certamente sinistro) no seu actual estado ou, ainda (arrisco esta...), quem não gosta verdadeiramente da cidade, pode pensar de maneira diferente.
Segunda conclusão: 80% (contando com os 4% dos que o querem continuar a ver como está e retirando da equação os que optaram pela resposta “nenhuma das anteriores”) são avessos a soluções que permitam a invasão do espaço por betão (como seria o caso da solução ‘Siza Vieira’ ou da construção de uma área residencial em forma de “u”).
Terceira conclusão: 76% dos que votaram pretendem que, naquele espaço, haja um jardim, i.e., um espaço verde que estabeleça alguma continuidade com o Jardim Público. É bom que, no executivo camarário, alguém perceba que, ao contrário do que eles pensam e do que nos tem sido dado a entender ao longos destas décadas, o eborense não tem medo de árvores.
Resta-me, por fim, agradecer a vossa participação e avisar que já se encontra a votação uma nova sondagem, desta vez sobre o trânsito em Évora.
Peanuts?
Um leitor anónimo, deixou o seguinte comentário no anterior post:
Durante décadas, a cidade de Nova Iorque (onde vivi durante um ano) apresentou uma taxa de criminalidade que a colocava entre as mais perigosas cidades do mundo. Com a chegada de Giuliani a mayor de Nova Iorque, pôs-se em prática a seguinte teoria: da mesma forma que se não se reparar uma janela partida numa fábrica desocupada, dentro de pouco tempo todas as outras janelas serão partidas (porque os vândalos pensam que ninguém se importa), se se permitir que a pequena criminalidade continue impune, por ser pequena (a vadiagem, os graffiti, o pequeno roubo, etc. etc.), mais tarde ou mais cedo os pequenos delitos darão lugar a delitos mais perigosos e graves. O resultado deste downsizing de escala no que respeita à aplicação de medidas, permitiu que, em quatro anos, as taxas de criminalidade se reduzissem, nalguns casos, para mais de metade, transformando Nova Iorque numa das mais seguras cidades do mundo (em termos obviamente relativos).
Extrapolando e retirando deste caso as lições de natureza estratégica, conclui-se que, por vezes, a melhor forma de atacar problemas gerais e estruturais é atacar, de forma paciente mas persistente, os pequenos problemas, os pormenores, os detalhes que, parecendo não ser de grande importância, podem ajudar a mudar e a alertar as mentalidades e as consciências de quem vive numa cidade.
É óbvio que o leitor (ou a leitora) tem toda a razão em chamar à colação os problemas que invoca no seu comentário. São, de facto, os grandes problemas desta cidade. Mas parece-me errado e contraproducente propor que deixemos de falar de questões «menores» para falar apenas de questões «maiores». O marasmo do Rossio de S. Brás; o desrespeito pelo espaço público (seja por via da sujidade, seja pela proliferação de panfletos e cartazes de propaganda política ou pela falta de sensibilidade e de estabilidade estética do mobiliário urbano); o estado em que se encontra o antigo Cinema Salão Central; as intermináveis obras que obstruem os passeios; podem ser questões «menores» mas, na realidade, dizem muito sobre a mentalidade tacanha e provinciana, a letargia das acções e a acefalia das soluções de quem manda e detém o poder de mudar a cidade de Évora (e não falo apenas do executivo camarário, mas também de associações, juntas de freguesia e grupos de interesse formalmente criados). Alguém um dia disse que “Deus está nos detalhes” e, no que respeita a detalhes, Deus há muito que abandonou esta cidade.
Em suma: falaremos, aqui, do trânsito, das casas abandonadas, do comércio, do desemprego, da habitação - ou seja, das questões «graves» e «estruturantes». Mas este blogue não vai perder de vista o seu objectivo inicial: o de denunciar, como foto-blogue, os erros (pequenos, médios, grandes) que surgem à vista desarmada, à escala terrena e mais próxima das pessoas - os que, por vezes, por andarmos enredados nos tais «graves problemas estruturantes», nem nos damos conta de que existem (o que é sempre muito conveniente para quem tem responsabilidades sobre a matéria). Como nos ensinou a experiência de Nova Iorque, é nesta escala que se despertam as consciências, que se espevitam as sensibilidades e que se põem as pessoas a pensar.
”Numa cidade que já perdeu 2 mil habitantes desde 2001, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade sem capacidade para atrair empresas e novos residentes, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade em que o desemprego atinge os valores mais altos do país, com destaque para os 16% de licenciados, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde só no Centro Histórico existem 600 casas vazias a arruinar-se (cerca de 18% do total do CH), chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde já fecharam centenas de comércios, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde há mais de 1000 casas à venda sem comprador e sem que se perceba o que vai acontecer a quem vive deste sector económico, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde a Universidade perde alunos, desde 2002 (passou de 8 mil para 6 mil), atravessando uma crise tão profunda que está em causa a sua sobrevivência, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade de 40 mil habitantes, onde circular está transformado num sofrimento diário, como se tivesse 400 mil habitantes, chamam-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde as forças vivas já não agem, apenas se reagem, chama-se a isto discutir peanuts...
...
Mas continuem, se isso vos faz bem ao vosso ego.”
Durante décadas, a cidade de Nova Iorque (onde vivi durante um ano) apresentou uma taxa de criminalidade que a colocava entre as mais perigosas cidades do mundo. Com a chegada de Giuliani a mayor de Nova Iorque, pôs-se em prática a seguinte teoria: da mesma forma que se não se reparar uma janela partida numa fábrica desocupada, dentro de pouco tempo todas as outras janelas serão partidas (porque os vândalos pensam que ninguém se importa), se se permitir que a pequena criminalidade continue impune, por ser pequena (a vadiagem, os graffiti, o pequeno roubo, etc. etc.), mais tarde ou mais cedo os pequenos delitos darão lugar a delitos mais perigosos e graves. O resultado deste downsizing de escala no que respeita à aplicação de medidas, permitiu que, em quatro anos, as taxas de criminalidade se reduzissem, nalguns casos, para mais de metade, transformando Nova Iorque numa das mais seguras cidades do mundo (em termos obviamente relativos).
Extrapolando e retirando deste caso as lições de natureza estratégica, conclui-se que, por vezes, a melhor forma de atacar problemas gerais e estruturais é atacar, de forma paciente mas persistente, os pequenos problemas, os pormenores, os detalhes que, parecendo não ser de grande importância, podem ajudar a mudar e a alertar as mentalidades e as consciências de quem vive numa cidade.
É óbvio que o leitor (ou a leitora) tem toda a razão em chamar à colação os problemas que invoca no seu comentário. São, de facto, os grandes problemas desta cidade. Mas parece-me errado e contraproducente propor que deixemos de falar de questões «menores» para falar apenas de questões «maiores». O marasmo do Rossio de S. Brás; o desrespeito pelo espaço público (seja por via da sujidade, seja pela proliferação de panfletos e cartazes de propaganda política ou pela falta de sensibilidade e de estabilidade estética do mobiliário urbano); o estado em que se encontra o antigo Cinema Salão Central; as intermináveis obras que obstruem os passeios; podem ser questões «menores» mas, na realidade, dizem muito sobre a mentalidade tacanha e provinciana, a letargia das acções e a acefalia das soluções de quem manda e detém o poder de mudar a cidade de Évora (e não falo apenas do executivo camarário, mas também de associações, juntas de freguesia e grupos de interesse formalmente criados). Alguém um dia disse que “Deus está nos detalhes” e, no que respeita a detalhes, Deus há muito que abandonou esta cidade.
Em suma: falaremos, aqui, do trânsito, das casas abandonadas, do comércio, do desemprego, da habitação - ou seja, das questões «graves» e «estruturantes». Mas este blogue não vai perder de vista o seu objectivo inicial: o de denunciar, como foto-blogue, os erros (pequenos, médios, grandes) que surgem à vista desarmada, à escala terrena e mais próxima das pessoas - os que, por vezes, por andarmos enredados nos tais «graves problemas estruturantes», nem nos damos conta de que existem (o que é sempre muito conveniente para quem tem responsabilidades sobre a matéria). Como nos ensinou a experiência de Nova Iorque, é nesta escala que se despertam as consciências, que se espevitam as sensibilidades e que se põem as pessoas a pensar.
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