quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Peanuts?

Um leitor anónimo, deixou o seguinte comentário no anterior post:

”Numa cidade que já perdeu 2 mil habitantes desde 2001, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade sem capacidade para atrair empresas e novos residentes, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade em que o desemprego atinge os valores mais altos do país, com destaque para os 16% de licenciados, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde só no Centro Histórico existem 600 casas vazias a arruinar-se (cerca de 18% do total do CH), chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde já fecharam centenas de comércios, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde há mais de 1000 casas à venda sem comprador e sem que se perceba o que vai acontecer a quem vive deste sector económico, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde a Universidade perde alunos, desde 2002 (passou de 8 mil para 6 mil), atravessando uma crise tão profunda que está em causa a sua sobrevivência, chama-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade de 40 mil habitantes, onde circular está transformado num sofrimento diário, como se tivesse 400 mil habitantes, chamam-se a isto discutir peanuts.
Numa cidade onde as forças vivas já não agem, apenas se reagem, chama-se a isto discutir peanuts...
...
Mas continuem, se isso vos faz bem ao vosso ego.”

Durante décadas, a cidade de Nova Iorque (onde vivi durante um ano) apresentou uma taxa de criminalidade que a colocava entre as mais perigosas cidades do mundo. Com a chegada de Giuliani a mayor de Nova Iorque, pôs-se em prática a seguinte teoria: da mesma forma que se não se reparar uma janela partida numa fábrica desocupada, dentro de pouco tempo todas as outras janelas serão partidas (porque os vândalos pensam que ninguém se importa), se se permitir que a pequena criminalidade continue impune, por ser pequena (a vadiagem, os graffiti, o pequeno roubo, etc. etc.), mais tarde ou mais cedo os pequenos delitos darão lugar a delitos mais perigosos e graves. O resultado deste downsizing de escala no que respeita à aplicação de medidas, permitiu que, em quatro anos, as taxas de criminalidade se reduzissem, nalguns casos, para mais de metade, transformando Nova Iorque numa das mais seguras cidades do mundo (em termos obviamente relativos).

Extrapolando e retirando deste caso as lições de natureza estratégica, conclui-se que, por vezes, a melhor forma de atacar problemas gerais e estruturais é atacar, de forma paciente mas persistente, os pequenos problemas, os pormenores, os detalhes que, parecendo não ser de grande importância, podem ajudar a mudar e a alertar as mentalidades e as consciências de quem vive numa cidade.

É óbvio que o leitor (ou a leitora) tem toda a razão em chamar à colação os problemas que invoca no seu comentário. São, de facto, os grandes problemas desta cidade. Mas parece-me errado e contraproducente propor que deixemos de falar de questões «menores» para falar apenas de questões «maiores». O marasmo do Rossio de S. Brás; o desrespeito pelo espaço público (seja por via da sujidade, seja pela proliferação de panfletos e cartazes de propaganda política ou pela falta de sensibilidade e de estabilidade estética do mobiliário urbano); o estado em que se encontra o antigo Cinema Salão Central; as intermináveis obras que obstruem os passeios; podem ser questões «menores» mas, na realidade, dizem muito sobre a mentalidade tacanha e provinciana, a letargia das acções e a acefalia das soluções de quem manda e detém o poder de mudar a cidade de Évora (e não falo apenas do executivo camarário, mas também de associações, juntas de freguesia e grupos de interesse formalmente criados). Alguém um dia disse que “Deus está nos detalhes” e, no que respeita a detalhes, Deus há muito que abandonou esta cidade.

Em suma: falaremos, aqui, do trânsito, das casas abandonadas, do comércio, do desemprego, da habitação - ou seja, das questões «graves» e «estruturantes». Mas este blogue não vai perder de vista o seu objectivo inicial: o de denunciar, como foto-blogue, os erros (pequenos, médios, grandes) que surgem à vista desarmada, à escala terrena e mais próxima das pessoas - os que, por vezes, por andarmos enredados nos tais «graves problemas estruturantes», nem nos damos conta de que existem (o que é sempre muito conveniente para quem tem responsabilidades sobre a matéria). Como nos ensinou a experiência de Nova Iorque, é nesta escala que se despertam as consciências, que se espevitam as sensibilidades e que se põem as pessoas a pensar.

5 comentários:

Anónimo disse...

Não é preciso ir tão longe! O programa da Sic, Nós por Cá, não é mais do que um Évora de Luxe à escala nacional!
Coragem. Évora merece pessoas que verdadeiramente se preocupem com ela e não com a manutenção dos seus rebanhos/feudos ideológicos...

Anónimo disse...

Em Portugal, o que a malta gosta é de discutir as grandes questões. Isso é que é ser sério e responsável. Na televisão do Estado temos um exemplo disso mesmo: o programa Prós & Contras, onde se discute o futuro da nação, do mundo, da economia, dos EUA, do devir lusitano e do raio que os parta. Até nas discussões temos a mania das grandezas. Meus amigos: esta é a via mais directa e fácil para deixar de parte os problemas reais, que tocam e afectam o quotidiano das pessoas. Por uma vez, seria bom que começássemos pela base, penso eu de que...

Anónimo disse...

“cada um na sua terra deve fazer tudo que seja para o bem da humanidade”.

D. Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha dixit

Anónimo disse...

Não há mal nenhum em falar dos pequenos problemas, antes pelo contrário.
A minha impressão (ou talvez dúvida), é que o blog de tanto se preocupar com "a árvore", parece esquecer que a árvore faz parte duma floresta.

Évora Deluxe disse...

Já repararam que estão a perder mais tempo a discutir a forma (neste caso do blogue) do que propriamente a contribuir para a discussão dos problemas da cidade? Já se preocuparam em tirar fotografias de situações negativas que encontram por aí? Já enviaram sugestões sobre algum problema com que se deparam diariamente? Já se empenharam em lançar a discussão sobre a questão A ou o assunto B? Já pensaram em falar da «árvore» e, com isso, contribuir para o conjunto da «floresta»? Por que razão os eborenses se recusam em participar mas não se coíbem de criticar o «mensageiro» ou o «veículo» da mensagem?

Participem! Enviem as vossas fotos, lancem as vossas discussões. Este blogue é vosso.